A força de Viver
Renê Schleiniger dos Santos*
Uma vez sentida a força dos sentimentos inspiradores, somos guiados a procurar situações, condicionamentos, pessoas, momentos enfim, que nos inspirem novamente, para que nos façam sentirmo-nos cheios de força e disposição frente à vida com seus desafios.
Mas tenhamos cautela, que não banalizemos essa busca, para que não façamos dela uma obstinação cega que nos fará apegar nas situações que nos inspiraram procurando-as novamente, tenhamos certeza de que tais repetições não serão mais tão emocionantes.
Podem nos ensinar, estes momentos mais inspiradores, que, eles mesmos, não são literalmente a coisa que nos proporcionam inspiração. Isto porque com o vivenciar repetitivo de uma determinada situação que gerou-nos inspiração sentimental, tal inspiração tende a perder intensidade.
E isto acaba por suscitar a nós mesmos, individualmente, os sujeitos que se auto-proporcionam inspirações sentimentais de acordo com as disposições íntimas que arregimentamos para viver os momentos da vida. Alegria, segurança, coragem, confiança, bem-querer, disposição e outros sentires que produzem carga sentimental positiva não são determinados, exatamente, pelos momentos que vivemos. Nós mesmos é que nos proporcionamos, nos momentos da vivência da vida, a beleza e a intensidade dos momentos, o que vem apontar os nossos próprios e livres condicionamentos mais íntimos: significados, hábitos, interpretações enfim, como o vetor, a via que nos decide a sensibilidade em nossas respectivas experiências vivenciais.
O que nos acontece nos momentos que poderíamos chamar de inspiradores é que as novidades que nele se envolvem nos são tão agradáveis e, ao mesmo tempo, objetivamente novas, que nos fica fácil fluir, intimamente, para bonitas paisagens sentimentais e, consequentemente, mentais. Mas à medida que tais eventos agradáveis vão nos ficando conhecidos, podemos muito bem continuarmos animados por belos sentimentos, mas, possivelmente, com menor intensidade – as coisas ali já não nos são tão surpreendentes assim!
Se você deixa-se aberto às novidades fluentes no momento presente, e não só fecha-se ao significá-lo como isso ou aquilo, você vai tornando-se capaz de sentir intensidade emotiva até mesmo nos seus momentos mais rotineiros e cotidianos de vivência. É uma questão de condicionamento, principalmente mental, para que você viva o momento presente realçando sua comunhão nunca repetitiva neste lugar onde todos nós vivemos.
Porém, se você, por exemplo, significa a reunião familiar do Natal com um “mais um encontro familiar”, você se fecha, você não poderá vislumbrar nada de novo nesta sua experiência se tudo correr conforme as convenções. Tudo lhe aparecerá repetitivo e, já, um tanto quanto cinza; os abraços e beijos mais nada significarão do que uma, digamos, “rasa socialização”. Você, aqui, é mecânico, quadrado! É o que mostra que sua mente está dinamizada para gerar-lhe emotividade somente diante de grandes sobressaltos e, pouco à pouco, nada mais poderá ser muito diferente para você, você vai criando significados inflexíveis para todas as suas experiências, para as mais corriqueiras e para as mais esporádicas, e, logo, de duas possibilidades uma: ou você se torna um excêntrico, extravagante e exótico, um doido mesmo, desajustado e marginalizado por, insaciavelmente, buscar experiências das mais variadas, ávido por novidades bem vívidas e visíveis à olho nu; ou você se torna um amargurado extremamente adulto e velho por sensibilizar os momentos vivenciais como repetições, totalmente recobertos por mesmíssimos significados criados por você mesmo. Em ambas as possibilidades, você estará a cristalizar o movimento sucessivo da vida que lhe toma, estará velando as novidades que estão a fluir, permanentemente, por tal vivo movimento da vida.
É fundamental para o cultivo do Amor alegre ou, em outras palavras, para o cultivo consciente de sentimentos inspiradores, que não levemos tão a sério o que acreditamos e o que significamos ao experimentar os momentos todos da vivência, é preciso e é oportuno permitirmo-nos o vislumbre, o ver acontecer do novo e desconhecido, é essencial a nossa abertura sensível para aquilo que nos é mostrado aqui e agora, buscando ver então, os movimentos inovadores que este momento presente nos permite nele mesmo.
Por isso, que queiramos ver a beleza ímpar do momento presente, e tenhamos certeza de que ele pode nos ser conhecido, porém, que não queiramos, com nossos conhecimentos, saber exatamente o que está acontecendo diante dos nossos olhos, que tais conhecimentos sirvam para o que, realmente, eles nos servem: permitir-nos comportamentos em que possamos lidar com aquilo que o presente momento nos apresenta. O momento agora é único, e muitas, muitas coisas poderiam ser vistas e feitas nele, ao passo que nosso conhecimento, se muito creditado, nos cega quanto às incontáveis possibilidades que este agora vivencial nos permite.
Muito crédito ao que pensas, torna pobre a sensibilidade que és, que podes ser! Dia após dia, verás, diante da unidade do momento presente, cenas repetidas. Arruinarás os incessante convites ao novo por sua incapacidade de admitir que há fatos novos e desconhecidos no ar deste momento presente.
É justamente este crédito ao conhecimento que nossos significados nos permitem, que decide o tamanho de nosso orgulho. Neste, cremos em certezas na posse do que conhecemos e, já, sem demoras, o mundo e a vida nos parecerá uma máquina, ou melhor, diversas máquinas que, alternando seus funcionamentos, nos produzem experiências em série que alternam somente a ordem das repetitivas coisas.
Eterno mostrar-se inovador que a viva existência lhe revela ininterruptamente. Revelação ininterrupta que o deixa livre para utilizar seus significados plena e orgulhosamente ou para notar – ou ao menos tentar notar – as novidades singulares do momento presente.
Você é que escolhe seu caminho diante da existência de sua vida e, dependendo do modo como você escolhe viver, você decide a qualidade da sensibilidade que serás, perante a vida. Se você quer que seus significados sejam sempre capazes de tudo conhecer para se sentir seguro e não vulnerável, cultivarás uma grossa carapaça para sentir a vida, pobre serás.
Mas, se decidires abrir-te à vida, confiar nesta entidade que te permite viver, pensar e, ainda, utilizar o que pensas como queres, não precisarás ridicularizar aquilo que acreditas ocorrer, apenas carregarás junto de teus pensamentos a benéfica dúvida acerca deles próprios, apenas estarás certo de que há coisas aqui, no momento presente, que teus pensamentos não estão ilustrando, te farás atento ao que há – ou pode haver – de novo neste agora em que vives. Nesta abertura que só depende de você mesmo, sentirás, sucessiva, o movimento inovador, nunca repetitivo, em que se pauta tudo o que nos envolve e que somos.
Você não é aquilo que acreditas ser, você é a possibilidade de acreditar nisto, ou não!
* Renê Schleiniger Dos Santos
Participante dos Terapeutas da Alegria UFSC desde março de 2012
24 abr 2012